A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS SECTORES AGROALIMENTAR
E FLORESTAL PORTUGUÊS – ENQUADRAMENTO, CENÁRIOS E TENDÊNCIAS
Duarte Bué Alves [1]
O sector agro-florestal
português conheceu na última década um acentuado dinamismo. Numa conjuntura não raras vezes adversa, o conjunto de fileiras da
agricultura, pescas e floresta conheceu uma expansão assinalável, acentuando a
sua já forte tendência de internacionalização, demonstrável pelo grau de
abertura, pela evolução das exportações (sobretudo em valor), pelo valor
acrescentado bruto incorporado e pela abertura de novos mercados.
Trata-se de território
relativamente novo para a diplomacia económica, não só porque corporiza uma
nova orientação política assumidamente mais agressiva e proactiva neste sector
mas também porque pretende dar resposta aos objetivos e orientações do programa
do XIX Governo constitucional, a dois níveis: por um lado, no que diz respeito
ao aumento das exportações (e consequente redução do desequilíbrio da balança
comercial); por outro, porque se trata de um instrumento crucial em direção à
autossuficiência alimentar de Portugal, medida em valor, até 2020, objetivo que
o programa de Governo consagra como primordial. Assinale-se, de forma enfática,
que não se visa, de modo algum, atingir a autossuficiência em termos absolutos
(até porque isso representaria um modelo de autarcia que não faz sentido) mas
em valor, ou seja, assegurando que Portugal exporta mais do que importa no
sector agroalimentar.
Por uma questão
de clareza conceptual, convirá começar por esclarecer o que se quer dizer, no
presente artigo, quando se fala de sector agro-florestal: reportamo-nos ao
“complexo agro-florestal e pescas” (CAFP), assim designado pelas regras da
contabilidade pública e que compreende: a agricultura; as pescas; as indústrias
alimentares, bebidas e tabaco; a silvicultura e as indústrias florestais.
O interesse de
que a matéria se reveste para o exercício da atividade diplomática, fica bem
demonstrado pelo grau de abertura do sector agro-florestal, superior ao do
conjunto da economia e com um crescimento também a ela superior [2]. Ou seja: se há sector que
está internacionalizado de forma consistente é justamente o que aqui nos ocupa,
como fica demonstrado neste gráfico.
Valerá a pena
reter em particular os dados do ano de 2012, daí resultando claro que o
complexo agro-florestal tem um grau de abertura muito mais elevado do que a
economia portuguesa no seu todo: 239% (no CAFP), contra 78% da economia
portuguesa.
Grau de
Abertura (%)
|
|
Agricultura
|
170.27
|
Pescas
|
94.97
|
Indústrias
Alimentares, Bebidas e Tabaco
|
324.67
|
Silvicultura
|
61.29
|
Indústrias
Florestais
|
139.6
|
Complexo
agro-alimentar
|
249.39
|
Complexo
Florestal
|
216.52
|
CAFP
|
238.51
|
Total da
Economia
|
77.9
|
Fonte: MAMAOT/
GPP. Dados para 2012 são estimativa com base em informação disponível em
fevereiro de 2013.
Esclarecido o
escopo do que se pretende abordar e demonstrada a relevância do tema, detenhamo-nos
num breve retrato do sector.
1. O sector agro-florestal no contexto das
exportações portuguesas
Tomemos como
termo de comparação, para análise do dinamismo do sector agro-florestal, aquilo
que foi o crescimento global da taxa das exportações portuguesas entre 2000 e
2012: 4.7%. Cotejada com a evolução das importações no mesmo período (2.1%)
resulta que a redução média anual do défice comercial se cifrou em 21%. Há,
seguramente, razões boas (dinamismo das exportações) e razões más (contração da
procura interna) que explicam esta tendência que, globalmente, se pode
considerar feliz para a economia portuguesa.
É com este dado
base de partida que devemos olhar para o percurso específico do sector agro-florestal,
que conseguiu, no período em análise, um crescimento das exportações, em média,
de 6.3%, sendo de assinalar 12.4% na agricultura.
Taxas de crescimento médias anuais do Complexo Agro-florestal e Pescas e
Economia 2000-2012 (a preços correntes)
|
||
(%)
|
||
Importações
|
Exportações
|
|
Agricultura
|
4,1
|
12,4
|
Pescas
|
4,7
|
6,5
|
Ind. Alimentares Bebidas e Tabaco
|
4,6
|
8,2
|
Silvicultura
|
-1,0
|
3,9
|
Indústrias Florestais
|
1,2
|
4,1
|
Complexo Agroalimentar
|
4,5
|
8,6
|
Complexo Florestal
|
0,9
|
4,1
|
Complexo Agro Florestal e Pescas
|
3,7
|
6,3
|
Economia - bens
|
1,8
|
4,3
|
Economia - bens e serviços
|
2,1
|
4,7
|
Última
actualização - Março de 2013
|
||
Fonte: Estimativas
MAMAOT/ GPP, a partir de Contas Nacionais, INE
|
Se atentarmos ao
saldo da balança comercial, constatamos que o sector agro-florestal é, tomado
no seu conjunto, deficitário, pese embora seja necessário fazer uma distinção
entre o sector agroalimentar (que é deficitário) e o sector florestal (que é
superavitário).
O quadro seguinte
mostra os números dos anos de 2011 e 2012, sendo que estes dois anos não
diferem muito dos anos que precedem.
Importações, Exportações e saldo da
balança comercial do complexo alimentar e do complexo florestal em 2011 e 2012
(em centenas de milhares de euros)
2011 P
|
2012 E
|
||
Complexo Alimentar
|
IMP: 9620
EXP: 5024
SC: -4566
|
IMP: 9379
EXP: 5387
SC: -3992
|
|
Complexo
Florestal
|
IMP: 2155
EXP: 4185
SC: 2030
|
IMP: 1938
EXP: 4404
SC: 2465
|
|
Complexo
Alimentar +
Complexo Florestal
|
IMP: 11775
EXP: 9239
SC: -2536
|
IMP: 11317
EXP: 9791
SC: -1526
|
P
– dados provisórios; E – estimativas
Fonte:
MAMAOT/ GPP, a partir do INE. Dados de março de 2013
Estes dados
carecem de um enquadramento: o défice da balança comercial no complexo alimentar
assenta no facto de que Portugal não produz tudo aquilo que consome (como quase
nenhum país, diga-se), aliada à particular circunstância de sermos significativos
importadores de três fileiras relevantes: os cereais, o bacalhau e o açúcar. No
caso dos cereais, registamos uma das mais baixas taxas de aprovisionamento, na
ordem dos 25.3%, em função de uma produção que tem vindo a cair na última
década e com produções particularmente baixas nos últimos anos por causa das
condições climatéricas [3]. Acresce que, como se
compreende, o consumo de cereais regista reduzida elasticidade por causa do
consumo do pão. Por outro lado, dá-se o caso de Portugal ter como “prato
nacional” um peixe que não existe nas suas águas e que tem de ir comprar a
mercados mais distantes. A balança comercial do bacalhau seco é
persistentemente deficitária, oscilando entre os 175M€ de défice comercial de
2007 e os 85 M€ de 2011, para nos atermos apenas à última década [4]. Finalmente o açúcar, não
tem expressão significativa na nossa estrutura produtiva.
Já no que diz
respeito às florestas, o bom desempenho desta fileira radica no facto de dela
saírem alguns dos produtos onde Portugal consolidou, ao longo de décadas, uma
posição forte, com robustez e escala, uma produção assumidamente vocacionada
para a exportação, uma aposta grande na investigação e desenvolvimento
(superior a 400 M€ na última década) num ambiente empresarial altamente
profissional e competitivo. Foram estas algumas das causas que têm contribuído
para o crescimento da cortiça, madeira e papel.
Esta dicotomia
entre, por um lado, o complexo agroalimentar e pescas e, por outro, o complexo
florestal, mostra bem que se o conjunto do complexo agro-florestal e pescas é
deficitário, isso se deve ao sector agroalimentar e esta circunstância tem um
peso não despiciendo no défice comercial português.
Entre 2011 e 2012,
registou-se uma redução do défice alimentar, de 4.5 mil milhões de euros para
3.9 mil milhões, o que representa uma queda de 12.5% (aproximadamente 600 M€).
Esta evolução tem a ver com um aumento das exportações mas também com uma queda
das importações (vide quadro acima). A confirmarem-se estes dados (ainda
provisórios à data em que se escrevem estas linhas), isso significa que o nosso
grau de aprovisionamento alimentar se situou nos 82%, um valor que se tem
mantido bastante estável e que Portugal não tem tido capacidade de robustecer.
Estes dados estão em linha com o conjunto da economia portuguesa que, no
primeiro quadrimestre de 2013, registou um excedente de 431 M€.
O quadro seguinte
mostra, de forma sistematizada, o quanto acima se disse, ficando claro esta
distinção entre agroalimentar e florestal no conjunto da nossa balança
comercial:
2. Os principais mercados de destino do agro-florestal
As exportações do CAFP português concentram-se
no eixo UE + EUA + CPLP, da seguinte forma:
Três principais blocos de destino do CAFP
(média 2008 – 2012)
|
Percentagens
|
União Europeia
|
71.4%
|
CPLP
|
11.8%
|
EUA
|
3.6%
|
Fonte:
MAMAOT/ GPP, dados INE, 2012
Estes três eixos de mercado representam 86.8%
do valor total do complexo agro-florestal e pescas de Portugal e não tem sido
fácil contrariar este modelo, pese embora um esforço muito grande – e bem-sucedido,
diga-se – de abrir novos mercados e encontrar clientes noutros azimutes.
De entre os 197 países e/ ou territórios para
onde Portugal vendeu na última década (desde o principal cliente, a Espanha, ao
quase desconhecido Território Britânico do Oceano Índico), destacam-se no gráfico
seguinte os 11 principais clientes, sendo que o critério foi o de representar
aqueles mercados que têm uma quota igual ou superior a 1% no total das nossas
vendas do CAFP. Por isso não aparecem aqui clientes que têm vindo a progredir
de modo importante nos últimos anos como a Polónia (que representa 0,77% das
nossas vendas) ou Moçambique (com 0.33%, e com quem Portugal é deficitário no
domínio agroalimentar).
Fonte: MAMAOT/ GPP, com base em dados do INE
Parece inequívoco concluir pela excessiva
concentração num número muito limitado de mercados que, além disso, são
mercados que não só poderão já ter atingido a sua capacidade máxima de
crescimento (e, por isso, onde nos interessa solidificar a presença mas onde
dificilmente conseguiremos aumentar a quota) mas também onde os efeitos da
crise demonstram que podemos sentir alguma retração na procura, conduzindo a
uma limitação das vendas, quando não à sua diminuição.
Abaixo da quota de 1%, estão mercados onde o
potencial de crescimento é reconhecido, pelo perfil dos consumidores, pelo
aumento do poder de compra, pela incapacidade desses mercados darem resposta à
sua própria tendência de aumento de procura e pelas projeções de aumento da
população nas próximas décadas, sendo de referir a China (0.74% das nossas
exportações), a Rússia (0.67%), o Japão (0.49%), os Emiratos Árabes Unidos
(0.16%) ou a Índia (0.08%). O caso indiano é particularmente interessante se considerarmos
que tem uma população que se cifra em 1.2 mil milhões (em 2012; expectativa de
1.6 em 2050) mas para onde vendemos, em 2012, apenas 1 milhão de euros em
produtos agroalimentares (6.6 milhões se juntarmos as florestas).
Dos 11 mercados acima referidos, Portugal
mantem uma balança comercial favorável com 4: Angola, Itália, Reino Unido e
Estados Unidos da América. Porém, se desagregarmos o agroalimentar e o
florestal, os dados são bastante diversos já que, como acima se referiu, o
sector florestal contribuiu com um peso muito significativo, dando, por isso,
uma ajuda de monta no total do exercício aqui em análise.
3. Os principais produtos exportados no sector agroalimentar
[5]
Sem prejuízo de
uma análise mais detalhada que à frente se fará para alguns segmentos em
particular (vide ponto 5), valerá a pena analisar a estrutura das exportações
do sector agroalimentar, tendo como referencial os dados de 2012. O quadro
seguinte mostra-nos os principais produtos das exportações portuguesas,
seguindo a terminologia própria das regras de contabilidade nacional (e que é
também a terminologia usada pelo INE).
Estrutura das Exportações Agroalimentares e Pescas por produto
|
||
106
EUR
|
%
|
|
Bebidas, líquidos
alcoólicos
|
1.111,4
|
21,1
|
Vinho e Mosto
|
707,5
|
13,4
|
Cervejas
|
234,5
|
4,4
|
Peixes, Crustáceos
e Moluscos
|
585,3
|
11,1
|
Bacalhau
|
113,0
|
2,1
|
Gorduras e Óleos
Vegetais e Animais
|
447,3
|
8,5
|
Azeite
|
263,3
|
5,0
|
Tabaco
|
412,6
|
7,8
|
Cigarros e Cigarrilhas
|
320,0
|
6,1
|
Conservas Produtos Horto-frutícolas
|
344,4
|
6,5
|
Tomate preparado ou conservado
|
164,6
|
3,1
|
Frutos
|
320,8
|
6,1
|
Pêra
|
74,2
|
1,4
|
Leite e Lacticínios
|
288,3
|
5,5
|
Leite e nata
|
154,6
|
2,9
|
Preparações de
Carne e Peixe
|
282,8
|
5,4
|
Conservas de Peixe
|
182,2
|
3,5
|
Preparações à base
de cereais
|
257,0
|
4,9
|
Produtos de Padaria e Pastelaria
|
169,8
|
3,2
|
Produtos Hortícolas
|
197,6
|
3,7
|
Tomate Fresco
|
30,8
|
0,6
|
Carne
|
155,5
|
2,9
|
Carne de suíno
|
70,2
|
1,3
|
Preparações
Alimentícias
|
141,4
|
2,7
|
Açúcares e Produtos
de Confeitaria
|
141,3
|
2,7
|
Animais vivos
|
98,6
|
1,9
|
Alimentos para
Animais
|
66,8
|
1,3
|
Café, Chá,
Especiarias
|
63,2
|
1,2
|
Plantas Vivas e
Prod.da Floricultura
|
55,0
|
1,0
|
Sementes e frutos
oleaginosos
e culturas industriais |
53,0
|
1,0
|
Cereais
|
30,0
|
0,6
|
Outros
|
221,2
|
4,2
|
Total do
Agroalimentar
|
5.273,7
|
100,0
|
Fonte: MAMAOT/ GPP, a
partir de Estatísticas do Comércio Internacional, INE (dados preliminares de
2012).
|
Do ponto de vista da ação externa,
nomeadamente numa ótica de diplomacia económica, que aspectos mais
interessantes resultam deste quadro?
Em primeiro lugar, dir-se-ia que os três
produtos que ocupam o pódio das exportações agroalimentares não representam uma
surpresa de monta e não são matéria arredada da ação habitual dos diplomatas
portuguesas: as bebidas alcoólicas ocupam um destacado primeiro lugar, com o
vinho (e mosto) em lugar de destaque (três principais mercados: França, Reino
Unido e Angola) mas como uma posição muito relevante para a cerveja (três
principais mercados: Angola, Espanha e França). Estes dois produtos, sozinhos,
representam 21% das exportações do agroalimentar.
Tão pouco surpreenderá a segunda posição
ocupada pelo peixe, nas suas várias vertentes: peixe fresco, pescado congelado,
bacalhau, produtos de aquacultura e conservas de peixe (que aparecem em categoria
autónoma). São segmentos com lógicas muito próprias e direcionados a mercados
alvo muito distintos. No caso do peixe fresco e do peixe congelado
(respectivamente: 127 M€ e 103 M€/ ano de exportações), a capacidade de alcance
de mercados longínquos é limitada pelas características do produto, o que faz
com que 93% do peixe fresco exportado vá para Espanha (e 62% do peixe
congelado). Esse problema não se põe, naturalmente, no caso do bacalhau seco que
encontra no Brasil o principal mercado (47%) ou no caso das conservas (148 M€)
que ficam nos mercados francês (26%) e inglês (23%).
Além do vinho e do peixe, dir-se-ia que outro
produto que está bastante associado à imagem de Portugal é o azeite que ocupa
lugar proeminente nesta lista, com valores de exportação acima de 263 M€ em
2012. O Brasil é, de longe, o principal mercado de exportação de azeite
(142M€), posição que se tem vindo a consolidar depois da celebração de um
Memorando de Entendimento entre os dois países assinado no Rio de Janeiro, em
junho de 2012, e que veio agilizar e aprofundar o comércio bilateral deste
produto.
Talvez a surpresa de que valha a pena dar nota
chega quando constatamos que o 4º produto desta lista é o tabaco, com valores
acima dos 412 M€. Pese embora um lugar significativo, a verdade é que a
produção de tabaco em Portugal tem vindo a cair na última década apesar de
ainda existirem algumas unidades de produção na Beira Baixa e nos Açores. O
problema com esta fileira agrícola é que vive no fio da navalha de uma
insanável contradição entre as ajudas da União Europeia ao desenvolvimento da
agricultura e as políticas dessa mesmo União da promoção da saúde pública e de,
assumidamente, desincentivar os hábitos de tabagismo. Nessa linha, e por causa
das cada vez maiores restrições à publicidade desses produtos, não tem sido uma
produção que os estados membros tenham acarinhado ou promovido de forma particularmente
ativa.
A informação constante do quadro acima
presta-se a muitas e variadíssimas análises em duas óticas principais: a dos
produtos em si e, depois, cruzando os produtos com os mercados. Desta reflexão,
e daquilo que são as preocupações mais prementes dos operadores será de reter
ainda dois casos particulares: as frutas (320 M€) e as carnes (253M€ se
somarmos as carnes tratadas e os animais vivos).
Relativamente às frutas, há apenas duas em que
a balança nos é favorável: a castanha e a pera. Nos demais a balança é sempre
desfavorável a Portugal, mesmo em casos em que as vendas para o exterior são
significativas, como é o caso dos pequenos frutos vermelhos (29M€) ou a maçã
(11M€). A castanha vende 17M€ mas a “fruta campeã” é, de longe, a pera (com
destaque para a pera rocha) de que vendemos 74M€ em 2012. Nesta, o mercado
principal é o Brasil que absorve 40% e onde esta fruta é conhecida como “pera
portuguesa” (seguindo-se o Reino Unido com 20%).
Note-se ainda que há algumas frutas cuja
produção é vendida em quase bloco para determinados clientes, como seja o caso
da Espanha que compra 90% da nossa produção de kiwi. O caso da cereja também é
interessante porque regista acentuada e crescente procura, apesar de os níveis
de exportação serem muito baixos (172 000 euros, com a Finlândia a absorver
cerca de metade das exportações).
Uma última nota: apesar do produto que mais
vendemos para o Brasil ser o azeite, a fruta tem vindo a ganhar terreno na
última década, cifrando-se em 34M€ em 2012. Este dado é interessante se virmos
que as importações de frutas brasileiras para Portugal são 20M€, sendo, portanto,
domínio em que a balança bilateral nos é favorável. Ou, não menos interessante,
se compararmos com as vendas de vinhos (29M€), concluindo-se que vendemos mais
frutas do que vinho, pese embora o conhecimento que existe sobre este último.
Olhemos brevemente para o caso das carnes, na
dupla vertente: animais vivos e carnes tratadas. Tal como as frutas, é um
conjunto de produtos em que as autoridades são extremamente sensíveis por duas
razões: a primeira é uma razão assumida de proteção de saúde pública, que
obriga os exportadores a atravessar um calvário administrativo demonstrando à
saciedade que as suas unidades de produção cumprem os rigorosos requisitos
sanitários e de qualidade. Acresce que, não raras vezes, diferentes mercados
têm requisitos distintos, o que impossibilita a pura replicação de dossiers. O
caso do Japão é particularmente ilustrativo pelas exigências altamente
restritivas, pela morosidade do processo que levou quase uma década até que
fosse possível a exportação de carne de porco. De igual modo, valerá a pena
atentar no caso do Brasil que connosco firmou um acordo bilateral que, depois
de visitas recíprocas, certificações e análises, acordou com o correspondente
organismo português (a DG de Alimentação e Veterinária) um sistema em que é
aquela DG que, mandatada pelas autoridades brasileiras, procede aqui às
certificações, com a vantagem de se eliminarem visitas de entidades brasileiras
in loco difíceis de agendar e com
custos assinaláveis. O mecanismo de diálogo com o Brasil (nas carnes e nas
frutas) funciona particularmente bem (mesmo se não é isento de dificuldades) e
pode constituir um exemplo interessante.
O produto que Portugal mais vende no segmento
carnes é a carne de suíno (48M€ em 2012, sendo a Espanha compradora de 30% mas
onde, por exemplo, Hong Kong, surge na 6ª posição), seguindo-se a carne de aves
(22M€, com Espanha a absorver 38% das vendas que chegam também, na lista dos
principais 10 compradores, ao Gabão e à Arábia Saudita), a carne de bovino
(21M€, 55% para Espanha) e o presunto (7M€, sendo que 80% vai para Angola).
4. A relevância económica do CAFP
Se a nível europeu
o complexo agro-florestal e pescas emprega acima 5 milhões de pessoas, sendo
responsável (na sua vertente transformadora) pela absorção de cerca de 70% da
produção agrícola europeia, os dados de Portugal mostram um dinamismo que não é
menos interessante.
VAB em M€
|
% PIB
|
Volume de
Negócios (em M€)
|
Empregos
(milhares)
|
|
Agricultura
|
1800
|
1.1%
|
6778.5
|
539
|
Pescas
|
181
|
0.1%
|
369.6
|
13
|
Indústrias Alimentares
|
2183
|
1.3%
|
11 084
|
95
|
Indústria de Bebidas
|
692
|
0.4%
|
2907.2
|
14
|
Total Complexo Agro-alimentar
|
4856
|
2.9%
|
21 139.9
|
661
|
Complexo Florestal
|
684
|
1.65% [6]
|
ND
|
89
|
Fonte:
MAMAOT/ GPP (dados de 2013 para o complexo agroalimentar); INE e BES para
complexo florestal (dados de 2011)
Estes números dão
uma ideia bastante completa do peso que o sector tem na economia portuguesa mas
não deixam, ainda assim, de espelhar uma realidade incompleta uma vez que aqui
não se contabilizam as externalidades que a floresta representa, nomeadamente de
carácter ambiental, quer como sumidouro de dióxido de carbono (o que tem um
impacto economicamente mesurável à luz do CELE – Comércio Europeu de Licenças
de Emissão), quer como alavanca para o turismo rural.
Este cenário de
crescimento de exportações e de robustez do complexo agro-florestal se fez em
Portugal, ao longo dos últimos 30 anos, e em linha com o que aconteceu na
Europa, com uma diminuição progressiva da população que trabalha no sector
primário.
População Ativa no Sector Primário
Anos
|
População Ativa
no Sector Primário
|
1974
|
1 290 500
|
1980
|
1 121 000
|
1990
|
845 600
|
2000
|
635 400
|
2012
|
486 000
|
Fonte: PORDATA
As razões desta
progressão são conhecidas e enquadram-se num padrão comum a todos os países desenvolvidos:
mecanização progressiva; progressos tecnológicos e técnicos; êxodo rural e
imigração, sobretudo de populações rurais; emparcelamento progressivo do
território e maior profissionalização da mão-de-obra [7].
5. Alguns casos de sucesso: vinhos, peixes,
azeite e florestas
Com base na
informação disponível no quadro apresentado no ponto 3 e na situação muito
particular do sector florestal, olhemos, num voo rasante mas que fixe as
principais referências, para o caso dos vinhos e cerveja, do peixe, do azeite e
das florestas.
5.1. O sector dos vinhos e da cerveja
O vinho é o
produto nº 1 do sector agroalimentar português com um volume de negócios de 1.2
mil milhões de euros, cerca de 750 empresas (diretas) a operar e responsável
por cerca de 8000 postos de trabalho (diretos – trabalhos de vinha e trabalhos
indiretos podem chegar aos 10 000). No ano de 2012, exportou 707 milhões de
euros, um valor que tem vindo consistentemente a subir na última década (com
ligeiro recuo entre 2008 e 2009) e que, a partir de 2001, entrou em terreno
positivo na balança comercial. Este sector contribuiu para a redução do défice
comercial em 2011 em 13.6%, sublinhando a vocação exportadora do sector
vinícola nacional (segundo dados da OIV, somos o 6º maior exportador mundial,
em termos relativos, depois do Chile, Espanha, Austrália, Alemanha e Itália e à
frente da África do Sul, da França, dos EUA e da Argentina, para citar o TOP10)[8].
França – sem
prejuízo dos pergaminhos que tem nesta área – tem sido o nosso mercado
principal (17% em 2012), logo seguido de Angola (11%), a subir posições [9]. Note-se, igualmente, a
presença da China (1%, 9M€) que aparece, pela primeira vez na lista dos
principais destinos (de onde estava ausente em 2011). Há, aliás, um interesse
crescente pelo vinho português por parte deste mercado, apesar de a União
Europeia absorver ainda 59% do total das nossas saídas anuais de vinho.
Fonte: MAMAOT/ GPP, com dados do INE de 2012 (provisórios)
O vinho que
Portugal mais exporta é um vinho de um segmento médio/ alto: 73% do vinho vendido
para o exterior em 2011 era DOP e IGP [10], cujo preço médio por
litro é superior (preço médio de exportação por litro: 2.24€, contra 0.62€ no
vinho importado).
Uma palavra ainda
sobre a exportação de cerveja que surge sob a mesma categoria de “líquidos
alcoólicos” por força das regras de contabilidade, pese embora, naturalmente,
se tratem de dois sectores muito diversos.
Tal como no
vinho, é um produto onde a balança comercial nos é favorável, com uma taxa de
cobertura na ordem dos 90% em 2011 e com um crescimento sustentado desde 2000. Do
total de produção nacional de cerveja, 36% é para mercados externos.
No entanto, se no
que toca ao vinho, o mercado comunitário é o destino principal, no caso da
cerveja, este representa 27%, com os países lusófonos a deter uma quota de 65%
(Angola com 58%, seguida de Cabo Verde, Guiné Bissau e São Tomé, numa lista
onde Moçambique e Brasil aparecem em lugares muito discretos). No espaço
europeu, Espanha, França e Suíça assumem lugares cimeiros.
5.2. Peixes, Crustáceos, Moluscos e Conservas de
Peixe
Comecemos por um aparente paradoxo: apesar de
ser o 3º produto que Portugal mais exporta (585 M€ em 2012), a categoria de
“peixe, crustáceos e moluscos” é, ao mesmo tempo, a categoria de todo o
agroalimentar em que Portugal mais importa: 1337 M€, tornando esta balança acentuadamente
deficitária.
Na verdade, o facto de Portugal ser um dos
maiores consumidores mundiais per capita
de peixe faz com que as capturas nacionais nas nossas águas sejam
manifestamente insuficientes para dar resposta à procura. Se a isto
acrescentarmos os níveis de consumo interno de bacalhau (um peixe que não
existe em Portugal), conseguimos compreender uma situação que é, na verdade,
irresolúvel e que contribuiu de modo acentuado para o nosso desequilíbrio
externo. Porém, é de assinalar que, de 2009 para cá, se observa uma correção
significativa deste desequilíbrio.
No caso do pescado fresco (em mar e em
aquacultura), Portugal exportou em 2011, 127 M€, sendo o mercado espanhol que
detém o quase exclusivo das vendas neste segmento (93%) por razões de
proximidade e facilidade de transporte. A Itália é o segundo comprador mas
muito distante (4%). Uma das principais apostas de crescimento de Portugal
neste sector deverá passar pela aquacultura, sendo um domínio onde estamos
muito atrasado: a nível mundial, o fornecimento total de pescado por esta via
ascende já a 48.6%, sendo apenas 1.4% em Portugal. Até 2020, prevê-se que do
total de pescado consumido nos mercados mundiais, 60% provenha de aquacultura.
O pescado congelado tem uma importância
relativa ligeiramente menor, com exportações na ordem dos 103 M€ anuais e, de
novo, eminentemente dirigidas ao mercado espanhol (62%), seguido dos mercados
francês (8%) e suíço (8%). Note-se que praticamente não vendemos para os
maiores importadores mundiais de peixe congelado: Japão, China, Tailândia e
Coreia do Sul.
Um lugar de destaque quando se fala de peixe
não pode deixar de ser reservado ao bacalhau que, apesar de importarmos
(fresco) em grandes quantidades (422M€/ ano), (re)exportamos sob a forma de
bacalhau seco. O elevado consumo de bacalhau no mercado português contribuiu
para este desequilíbrio (somos o maior importador mundial de bacalhau seco) mas
também permitiu de algum modo a exportação de comportamentos para mercados
lusófonos como o Brasil ou Angola (respectivamente: 47 e 11% das nossas
exportações) ou mercados de proximidade como Espanha (28%).
Desde há mais de 10 anos que o segmento das
conservas de peixe regista um equilíbrio comercial que nos é favorável e que,
em 2012, chegou aos 182 M€ de exportações. Com uma forte vocação exportadora
(60% em média mas atingindo 96% nas conservas de sardinha e 98% na sarda e
cavala), este segmento tem sido um dos que mais cresceu na última década,
consolidando a sua posição em mercados externos como o francês (26% do total
das exportações), britânico (23%) ou espanhol (14%). O caso da indústria
conserveira é particularmente curioso pela capacidade que teve de se regenerar,
depois de quase ter desaparecido por causa da forte concorrência internacional.
5.3. O caso do azeite
Apesar de surgir nas tabelas sob a designação
genérica de “gorduras e óleos animais e vegetais”, o produto preponderante
nesta categoria é o azeite, de que Portugal é 8º maior produtor mundial,
acompanhando a tendência global de aumento da produção e da procura. Em 2012 o
valor das exportações superou os 263 M€ e neste produto dá-se o curioso caso de
termos de termos uma orientação exportadora na ordem dos 164%, o que carece
porventura de explicação adicional. Na verdade, apesar de termos produzido,
nesse ano, 57 mil toneladas de azeite, a verdade é que exportámos 94 mil
toneladas, porque importámos azeitona em bruto que foi aqui transformada e
revendida ao exterior, em adição a azeitona nacional. Nos termos das regras da
OMC, este azeite é português e contabilizado como tal.
A produção nacional não tem sido suficiente
para corresponder ao consumo interno, pelo que tem sido sempre necessário
importar, apesar de, a partir de 2011, termos conseguido equilibrar a balança
comercial neste produto. No entanto, apesar das condições climatéricas
excepcionais de que Portugal dispõe para a produção do azeite, a verdade é que
registamos baixa taxas de produtividade por hectare (comparando com outros
produtores nossos concorrentes) por força de um olival envelhecido e alvo de
deficiente investimentos ao nível de I&D (o contrário do que se passou com
as florestas em geral, como veremos de seguida).
Os nossos mercados de exportação estão muito
pouco diversificados, concentrando o Brasil e a Espanha 81% do total das nossas
vendas para o exterior. Porém, o tipo de produto que cada um destes dois
mercados compra é substancialmente diverso, recebendo o Brasil o azeite de
maior qualidade. Não deixa de ser curioso que apesar de a Espanha também
colocar azeite no mercado brasileiro e de o conseguir fazer a um preço mais
baixo (por ser um produto de qualidade inferior), nem por isso conseguiu captar
quota de mercado ao azeite português que o consumidor brasileiro reconhece como
sendo excepcional. Da totalidade do azeite entrado no mercado brasileiro, 56% é
português, aparecendo a Espanha em posição de grande distância, apesar de ser o
maior produtor mundial [11]. Os atuais produtores
mundiais, atendendo ao modo como o mercado está organizado, não representam para
nós uma ameaça direta mas o mesmo não se pode dizer dos produtores emergentes
como o Chile que, neste caso, terá uma facilidade grande em colocar o azeite no
Brasil a um preço mais baixo. Por isso, só a aposta na qualidade e
diferenciação pode distinguir o azeite português junto do nosso maior
comprador.
Fonte: MAMAOT/ GPP, dados do INE relativos a 2012 (provisórios)
Parece claro que esta concentração excessiva
não é boa para a nossa carteira de clientes uma vez que nos deixa
excessivamente dependentes das volatilidades do mercado brasileiro. Mas, ao
mesmo tempo, abre portas a que sejamos impelidos para outros mercados que são
já compradores mundiais de azeite mas onde a nossa presença não é
significativa. Será o caso de França, Itália [12], EUA e Reino Unido [13]. Noutro patamar, a
obrigar a um esforço acrescido de divulgação, os casos do Japão e da China [14] são igualmente
interessantes tanto mais que o Japão compra o azeite mais caro que o mercado
mundial produz. Note-se que, sendo habitualmente mais difícil vender para
países terceiros do que para a UE28, esse é um passo que já demos no caso do
azeite uma vez que sai das fronteiras comunitárias 67% do total das nossas
vendas.
5.4. As florestas
A floresta é um tesouro relativamente escondido
da economia portuguesa: apesar de ocupar 38% do território, ser responsável por
3% do PIB (se incluirmos a fileira transformadora industrial, produção de pasta
e papel, serração, aglomerados e cortiça), 11% das exportações nacionais, ter
uma taxa de cobertura na ordem dos 203%, deter o 3º maior nível de
produtividade por hectare da União Europeia e empregar cerca de 90 000 pessoas [15], a verdade é que se trata
de um sector relativamente desconhecido, com pouca visibilidade na opinião
pública e que, porventura, não tem merecido a atenção que merece. Seguramente
que se trata de um domínio onde se pode fazer mais, melhor e com mais impacto.
O sector florestal está na fronteira entre o
sector primário e o sector secundário uma vez que, pese embora partindo de uma
atividade que é na sua origem agrícola, muito do seu negócio está ligado à
indústria transformadora a uma escala puramente industrial. Se olharmos para o
conjunto de produtos exportados no complexo florestal, constatamos essa
diversidade. Neste leque de produtos há alguns em que somos exportadores
líquidos (caso do papel/ cartão, pasta de papel e cortiça – as chamadas
“subfileiras âncora” [16]) e outros onde importamos
mais do que exportamos (caso da madeira). As três subfileiras mencionadas
representam quase três quartos do total de exportações do sector, embora, no
caso específico da cortiça, este produto tenha registado, nos últimos anos, uma
ligeira contração da procura externa.
Fonte: Banco Espírito Santo, A Fileira Florestal, Um cruzamento
Estratégico, 2011 (dados de 2010)
Não menos diversa é a nossa carteira de
clientes, onde prepondera o mercado espanhol (com 33%). Se desagregarmos por
produtos, vemos que a Espanha continua a ser o principal cliente no papel, madeira,
pasta de papel e indústrias gráficas mas cede lugar a França no que toca à
cortiça e ao mobiliário. A cortiça é onde o mercado extracomunitário tem maior
peso, com destaque para os EUA (40%). Ao invés, os produtos químicos resinosos
estão concentrados no mercado comunitário (93%).
Fonte: Banco Espírito Santo, 2011 (dados de 2010)
O sector florestal português está confrontado
com desafios de monta e fragilidades que o condicionam, nomeadamente no que diz
respeito ao acesso a mercados externos. Refira-se dois desses problemas: os
incêndios que têm vindo a destruir áreas importantes de plantação. Mas mais
significativo é a doença do nemátodo do pinheiro que é, provavelmente, o mais
grave constrangimento ao desenvolvimento do nosso sector florestal e que
condiciona as nossas exportações.
6. As tendências do sector agroalimentar
A existência de “tendências” (ou modas) no
sector agroalimentar é um dos aspectos mais curiosos e desafiantes quando se
pensa numa estratégia de internacionalização. Como consumidores, estamos
habituados a uma evolução constante e rápida da moda com novas propostas que se
revogam em cada estação. Ou, numa ótica mais de longo prazo, também percebemos
que o mobiliário, o design dos carros, ou o layout
dos jornais estão sujeitos a uma evolução que corresponde a um
aperfeiçoamento técnico mas também a um ajustamento em função dos perfis e dos
comportamentos dos consumidores. Pois bem: o que importa registar aqui é que o
consumo de alimentos também tem “modas” ou tendências que vão modelando o
mercado e a que os produtores estão atentos. Não se elaborará aqui em demasia
sobre aquilo que é um estudo complexo e onde se cruzam olhares sociológicos,
abordagens antropológicas e vicissitudes económicas, tudo sob o olhar atento
dos marketeers que perspectivam que,
até ao final da presente década, deverá haver um conjunto de tendências a
marcar este sector. As linhas gerais que abaixo se apresentam são um
referencial económico que tem um duplo interesse: por um lado um interesse de
mercado (a que os exportadores nacionais não podem deixar de estar atentos) e,
por outro, um interesse cultural.
De acordo com os especialistas, são as
seguintes as grandes tendências do sector agroalimentar dos nossos dias:
a)
Valorização da senioridade: os consumidores
com mais de 55 anos são determinantes. O aumento da esperança de vida e dos
cuidados de saúde faz deste segmento um alvo com especial poder de compra
(gastam, em média, 50% mais do que os que têm entre 30 e 40 anos), ativo,
conectado às novas tecnologias e especialmente preocupado com a sua saúde. A
decisão de comprar um produto agroalimentar é condicionada pelo “factor saúde”
para 52% dos latino-americanos com mais de 50 anos, 51% dos asiáticos, 42% dos
europeus e 41% dos americanos [17]. Isto obriga a que os
produtos que se queiram posicionar neste segmento apliquem um conjunto de
regras, quer ao nível da informação rotular (que componentes e que impacto isso
tem na saúde, no envelhecimento e no desempenho cognitivo; clareza e
simplicidade na comunicação), quer ao nível da facilidade de abertura das
embalagens, que devem exigir menos destreza.
b)
A par do facto da senioridade, mas com ele
estreitamente ligado, está o factor saúde. As sociedades contemporâneas são
hoje absolutamente focadas nesta dimensão. Trata-se de matéria a que a Agência
Europeia de Segurança Alimentar tem estado particularmente atenta e terreno
onde se travaram sérias batalhas jurídicas no que toca ao rigor da informação
prestada. Hoje, de acordo com as regras comunitárias e os pareceres daquela
agência, privilegiam-se formulações como com
baixo teor de ou sem aditivos em
detrimento de enriquecido com. No
Reino Unido, por exemplo, entre 2008 e 2012, aumentou em 56% o número de
produtos lançados no mercado que alicerçaram a sua promoção em torno do facto
de terem elevada presença de vitaminas A, D e E. Relacionada com esta
preocupação está o tradicional rótulo de “produto natural”, hoje relativamente
posto de lado por causa de questões jurídicas em torno do que é “natural”,
substituído por indicações mais neutras como “sem aditivos/ conservantes” [18].
Por razões de
saúde, assistimos ainda a dois fenómenos relacionados: a ênfase nos produtos
proteicos, sobretudo para segmentos de consumidores como os desportistas, os
seniores ou as crianças. Por outro lado, a referências aos açúcares é altamente
desincentivadora do consumo, quer por razões estéticas, quer por razões de
saúde.
c)
A opção pela sustentabilidade – para o consumidor
moderno, no momento da escolha do produto o factor sustentabilidade ou
responsabilidade social e ambiental das marcas é decisivo. O consumidor analisa
a pegada ética do produto e pode condicionar o ato de compra em função da
sustentabilidade ambiental da empresa e do processo de produção, do uso de
mercadorias que saiam de um circuito de comércio justo, que velem pelo bem
estar animal e não usem os animais como testes. Se em 2008, este factor era
apenas condicionante para 3.7% dos consumidores, em 2012 eram já 14.7% os
consumidores que dele faziam depender o ato de compra. Além de esta dimensão
estar a fazer cada vez mais parte da narrativa comunicacional dos produtos
agroalimentares, este princípio traduz-se ainda na preocupação com a redução do
desperdício (reciclabilidade e reutilização das embalagens, por exemplo) ou na
valorização de produtos locais (que não tenham viajado) ou da época (produzidos
mais em harmonia com o ciclo da natureza). Isto é especialmente importante nas
frutas e nos produtos delas derivados, como os sumos.
d)
A conectividade – hoje nenhuma empresa ou
produto existe se não existir em rede: é ali que tem de estar a informação,
apresentada de forma transparente e coerente e é aí que tem de ser possível
fazer compras. Mesmo num segmento com uma dimensão perecível ou volátil como o
agroalimentar, o consumidor procura que a marca transmita uma imagem de
movimento, de dinamismo que, nas sociedades contemporâneas não é possível sem
uma dimensão digital. A extensão das potencialidades da rede (a interação com
os telemóveis, por exemplo) é um aspecto que não pode ser descurado. No Reino
Unido, 31% dos consumidores já pegou no smartphone,
em pleno supermercado, para analisar as características do produto que vai
comprar e comparar com produtos que concorrem no mesmo segmento [19]. Apesar de ainda pouco
difundidos na Europa, os mercados asiáticos (nomeadamente o japonês, por
exemplo), há muito que se habituaram aos códigos QR (quick response) como modo de fornecer informação instantânea e
armazenável ao consumidor. No segmento agroalimentar há já produtos que nesse
código fornecem receitas, produtos que podem acompanhar (ex: o código QR de um
queijo pode dar explicação sobre o vinho que melhor acompanha).
7. Conclusões
O sector agro-florestal português tem-se
posicionado, na última década, como um dos mais dinâmicos da economia
portuguesa. O seu grau de abertura mostra um fluxo comercial intenso e as
exportações crescem a ritmo sólido e seguro. Não se trata de um epifenómeno mas
a análise de dados de mais de uma década (2000- 2012) mostra que o dinamismo
das exportações agroalimentares cresce acima do resto da economia. Esta
tendência está a contribuir, de modo decisivo, para a redução do défice
agroalimentar e a dar um contributo não menos decisivo para o equilíbrio do
nosso comércio externo. De igual modo, mantendo-se esta tendência, parece ser
viável, como é intenção do Governo, tornar o país autossuficiente, em valor,
até 2020 (teremos de reduzir o défice comercial no sector a uma média de cerca
de 500 M€/ ano o que, sendo difícil, não é impossível se pensarmos que, de 2011
para 2012, essa redução se cifrou acima dos 600 M€).
Em linha com o resto da economia, os nossos
mercados de destino são pouco variados, concentrando a União Europeia mais de
70% das nossas vendas ao exterior, logo seguido do espaço da CPLP, com 12%.
Quer porque alguns destes mercados já terão atingido a sua capacidade máxima de
crescimento e absorção dos nossos produtos, quer porque são mercados voláteis e
onde se sentem efeitos de uma crise na procura, Portugal não pode deixar de
procurar diversificar a sua carteira de clientes, abrindo novos mercados em
países terceiros, mesmo que, nesse caso, tenha de lutar contra barreiras não
pautais de enorme complexidade técnica e que só são passíveis de serem derrubadas
se se aliar um interesse empresarial (e respectiva capacidade de resposta) e um
empenho político, acentuando os contactos e reforçando as visitas. Casos como o
do Japão (carnes, cerejas), China (leite), Brasil (pera) ou Cazaquistão
(carnes) são situações particularmente interessantes onde a conjugação de
esforços tem vindo mostrar resultados.
É sabido que a agricultura portuguesa sofreu
uma transformação radical nas últimas 2 ou 3 décadas e um dos traços mais
distintivos e que mais a tornou competitiva foi o facto de ser ter
“empresarializado”, tornando-se mais sofisticada, mais elaborada do ponto de
vista técnico e ter apostado na investigação e desenvolvimento. Hoje há
empresas no sector que, em permanência, investigam e procuram soluções novas, novos
produtos, novos processo e novas técnicas, sem nunca esquecer um pilar essencial
para Portugal e para a União Europeia que é a segurança alimentar. Exemplo
dessas inovações de empresas portuguesas, por exemplo, são os ovos estrelados
congelados (que permite que os mesmos viajem e se conservem por longos
períodos), a fruta fresca em barras ou as algas para a produção de espumas para
a gastronomia molecular. E valerá a pena sublinhar que Portugal é reconhecido,
pelos parceiros internacionais do sector, como exemplo ao nível da segurança
alimentar. Não será por acaso que a China nos pediu que fizéssemos formação
nesta área ou que aqui compra arroz de modo de produção biológico para crianças
e que escolheu pela sua particular qualidade.
Outra vertente que é crucial é a capacidade do
sector ser capaz de apostar numa estratégia de comunicação direta ao consumidor
que seja eficaz, dando a conhecer o que se produz e as características dos
produtos. Se o vinho português é bastante conhecido no Brasil, já menos saberão
que exportamos para o Brasil mais frutas do que vinho. De igual modo, há
trabalho a desenvolver na promoção do nosso sector florestal que, pese embora
estar respaldado em Portugal por empresas de grande dimensão, precisa de se
tornar conhecido par além dos produtos paradigmáticos (exemplo da cortiça).
Um país à dimensão de Portugal não poderá
competir numa escala que nunca será a sua nem fixando-se em preços que outros
conseguirão esmagar: a linha de toque terá de ser a diferenciação. Caso
evidente é o sucesso do nosso azeite no Brasil que não é mais barato do que
aquele que é vendido pelos nossos concorrentes diretos mas que, nem por isso,
deixa de ser a preferência dos consumidores brasileiros. Aliás, o ano de 2012
foi o nosso melhor de sempre nas exportações de azeite, o que mostra que os
mercados internacionais têm premiado a constância da nossa qualidade (os
prémios atestam-no também).
Se o facto de sermos o 8º produtor mundial de
azeite nos dá o conforto de uma produção que já atinge patamares de monta,
dificilmente poderemos ganhar o mesmo arcaboiço noutros segmentos, como a
fruta, quando vendemos pera para a China, por exemplo. Os mega-mercados (China,
Índia) têm muitas vezes andado arredados do alvo dos nossos exportadores que
receiam não ter capacidade de resposta mas que terão de reorientar a sua
estratégia percebendo que só fazendo uma segmentação poderão chegar ao alvo
desejado.
Bibliografia
·
Banco Espírito Santo, A Fileira Florestal – Um cruzamento
Estratégico, apresentação na conferência “Futuro da Floresta e do bosque
mediterrânico”, Lisboa, 17 de maio de 2011;
·
Cruz, Isabel Braga da, As 10
maiores tendências do agroalimentar para 2013, PortugalFoods,
2013;
·
Diário Económico, Agricultura – O regresso à terra, suplemento
especial, 23 de julho de 2013;
·
Direcção Geral das Florestas, Florestas de Portugal, Lisboa, 2000;
·
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2013 ;
·
PortugalFoods, PortugalExcepcional – Estratégia de Internacionalização
do Sector Agro-Alimentar 2012 – 2017;
·
PortugalFresh, Fruit, Vegetables and Flowers,
sem data;
·
Santos, Guilherme Maria Marta dos, Análise do Mercado de
Exportação do Azeite Português, Instituto Superior de Agronomia, Lisboa, 2011,
in https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/4093/1/TESE.pdf
·
Sarmento, Elsa de Morais; Dores, Vanda; Nogueira, Vanda, A competitividade e a diversificação da
fileira florestal portuguesa, in Notas Económicas, Junho de 2013. http://notas-economicas.fe.uc.pt/texts/ne037n0223.pdf
·
ViniPortugal, Plano Estratégico para a
Internacionalização do Sector dos Vinhos em Portugal;
[1] Diplomata. Chefe
de Gabinete da Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do
Território (julho 2011 – janeiro 2013). Assessor diplomático. Representante
Pessoal da Ministra no Conselho Estratégico de Internacionalização da Economia
(a partir de fevereiro 2013), depois Ministra da Agricultura e do Mar (a partir
de julho 2013). Agradeço os dados estatísticos que me foram fornecidos por Ana
Cardozo de Menezes (do Gabinete de Planeamento e Políticas do MAM). Agradeço
ainda a Magda Rodrigues a colaboração no tratamento informático de alguns
destes dados.
[2] Usa-se
neste artigo a fórmula em que o GAEE (grau de abertura da economia ao exterior)
é calculado pelo seguinte rácio: GAEE= (IMP+EXP)/ VAB x 100.
[3] O mercado
de cereais é particularmente volátil, tendo tido nos últimos 2 anos oscilações
significativas no preço das matérias primas. Vide, pelo interesse de que se
reveste, o artigo publicado no Le Monde
de 13 de julho de 2013 e que pode ser consultado aqui: http://www.lemonde.fr/economie/article/2013/07/12/les-tensions-sur-les-prix-des-cereales-sont-retombees_3446815_3234.html?xtmc=cereales&xtcr=4
[4] Valerá a
pena acrescentar, nesta brevíssima referências às fileiras, que o grau de
aprovisionamento é positivo no tomate (356%), no vinho (140%), no leite (108%)
e no arroz (103%). Regista ainda números encorajadores na carne de aves (90%),
no azeite (90%) e nas pescas (86%).
[5] Neste ponto
3 restringimos deliberadamente a nossa análise ao sector agroalimentar,
deixando, por ora, de lado o sector florestal. Este será objecto de uma análise
mais detalhada no ponto 5 quando se analisarem quatro casos particulares de
sucesso: bebidas alcoólicas; peixes, crustáceos e moluscos; gorduras e óleos
(incluindo azeite) e as florestas.
[6] Este valor
corresponde à fileira florestal em sentido estrito – vide 5.4. para mais
desenvolvimentos sobre este ponto. Se tomarmos o sector florestal em sentido
lato, este valor corresponde a 3%.
[7] Há um curioso exemplo de escola que mostra bem esta dinâmica e que se
prende com a mão de obra necessária para ceifar um hectare de terra: em 1750
eram necessários 40 a 50 trabalhadores com uma foice; em 1930, 25 a 30 com uma
foice melhorada; em 1970, 8 a 10 trabalhadores com uma segadora; em 1985, com
uma ceifeira-enfaixadeira, 1 a 2 trabalhadores. Hoje em dia, com uma ceifeira
debulhadora, o mesmo hectare de terra pode ser ceifado em 4 horas apenas com um
condutor da máquina.
[8] Dados da OIV, Organização Internacional do Vinho, com base no peso das
exportações de 2011 face à produção de 2010.
[9] Ao contrário de Angola, Moçambique, por exemplo, não se tem
posicionado como particularmente interessante neste sector. Trata-se apenas do
nosso 20º cliente, o que corresponde a 5 M€/ ano. O consumo de vinho não está enraizado nos hábitos locais (pelo
menos não tanto como em Angola), para o que poderão contribuir razões de ordem
cultural. Acresce que, atento o perfil do consumidor, o valor do vinho
exportado para Moçambique é de 0.76€/ litro, contra,
por exemplo 3.64€ para o mercado dos EUA.
[10] Respetivamente: Denominação de Origem Protegida (exemplo: Vinho do
Porto e do Douro) e Indicação Geográfica Protegida (exemplo: Vinho Alentejano).
[11] Da totalidade de azeite que o Brasil compra ao exterior, 56% vem de
Portugal, 22% de Espanha, 13% da Argentina, 6% de Itália.
[12] O caso italiano é peculiar, já que a Itália é o 2º maior produtor
mundial mas com uma produção interna incapaz de satisfazer a procura de azeite
italiano nos mercados internacionais. Por isso, parte das nossas vendas para
aquele mercado correspondem a azeite que depois é ali incorporado com azeite
italiano e revendido para os EUA.
[13] De 2009 para 2010, o aumento das exportações para o mercado inglês foi
na ordem dos 75%, atingindo-se aqui o pico de uma tendência que se vinha
registando há mais dez anos. O mercado inglês consome, quase exclusivamente,
azeite espanhol e italiano (85% entre estes dois produtores), ocupando Portugal
uma modesta 8ª posição.
[14] O azeite não tem tradição na cozinha chinesa e começou a ser vendido a
retalho apenas em meados da primeira década deste século. Mas a verdade é que
uma classe média emergente, com poder de compra, que tem viajado cada vez mais
e com preocupações de saúde, tem sido a base de um produto que Espanha (45%),
Itália (35%) e Grécia (8%) fornecem à China. Em 20 anos a China pode-se tornar
no maior consumidor mundial de azeite.
[15] Não se contabilizam nestes números as externalidades ambientais do
sector florestal, nomeadamente o papel das florestas enquanto sumidouro de CO2
e que, no caso da floresta portuguesa, corresponderá aproximadamente a 3.7
milhões de toneladas de CO2. Como se sabe, os proprietários florestais (97% da
floresta portuguesa pertence a privados) não recebem remuneração por este papel
do seu parque florestal embora, no quadro do Protocolo de Quioto esteja
prevista a comercialização de licenças de emissão. Tão pouco é contabilizado o
papel da floresta enquanto habitat privilegiado da biodiversidade.
[16] Sarmento, Elsa de Morais; Dores, Vanda; Nogueira, Vanda, A competitividade e a diversificação da
fileira florestal portuguesa, in Notas Económicas, Junho de 2013.
[17] Fonte:
Innovadatabase, apud Cruz, Isabel
Braga da, As 10 maiores tendências do
agroalimentar para 2013, PortugalFoods, 2013.
[18] Porventura a mais célebre batalha jurídica em torno desta questão foi
o processo judicial contra os sumos Tropicana, nos EUA, que, apesar de
introduzirem conservantes no produto (para aumentar o prazo de validade e tempo
em prateleira), continuaram a rotular o produto como “100% natural”.
[19] Fonte: Mintel Oxygen, apud, Cruz, Isabel Braga da, ob. cit.